Os
projetos de Lei do quase ex-vereador de Belém, Gervásio Morgado –PR, viraram
sinônimo de violência contra a ordem urbanística e de total subordinação aos
interesses do Mercado Imobiliário, ignora toda a construção política e legal da
Política Urbana em nosso país, todos os avanços institucionais e acadêmicos
para fazer valer o Capítulo Constitucional da Política (arts 182 e 183) e de
sua Lei Federal regulamentadora (Lei 10.257/01) mais conhecida como Estatuto da
Cidade. Alguém em sã consciência pode negar que esse ¨laissez faire,laissez passer, le monde va de lui-même¨ reinante em
Belém não só reduziu em muito a nossa qualidade de vida, mas sobretudo aprofundou
as desigualdades sociais entre a cidade formal/ legal e a cidade informal/ilegal.. Costumo afirmar
para os meus alunos que a inexistência de regulação estatal sobre o mercado
imobiliário é um dos fatores determinantes para a explosão da violência nas
grandes cidades.
O
Projeto de Lei do quase Ex-Vereador Gervásio que está na ordem do dia, nos
causa espanto pela truculência com que desrespeita princípios tão arduamente
conquistados na luta pelo direito à cidade sustentável, tais como a função
social e ambiental da cidade e da propriedade urbana, a gestão democrática da
cidade e o Plano Diretor.
O
Zoneamento é um eficiente instrumento para a ordenação da cidade, isso quando aplicado
e fiscalizado. O Projeto do quase ex-vereador cria de forma aleatória um novo
Modelo M16 (8) na Macrozona Ambiental Urbana Setor III, no uso Comércio
Varejista/Comércio Atacadista e Depósito com o coeficiente máximo de 3.0.
A adoção do modelo M16(8) permitirá a instalação de empreendimentos (Shopping Centers,
Hipermercados) que possuam área do lote igual ou superior a 1000m², com o
índice 3.0 poderá o empreendedor construir a mais, até 3x o valor, em m², do
lote. Ou seja: em um lote de 2000m²,
o empreendimento poderá ter 6000m²
como aproveitamento total de área construída; em lotes de 7000m², o aproveitamento máximo será de 21000m², e assim por diante;
É possível imaginar a dimensão do problema
(mais trânsito, infraestrutura inadequada, ausência de equipamentos urbanos, só
pra começar a pensar) e tudo isto sem nenhuma contrapartida para a sociedade.
Fonte: Anexo V da Lei nº 8.655/2008 – Plano
Diretor do Município de Belém
Projetos
de Lei dessa natureza demonstram que os nossos legisladores municipais não
possuem nenhum compromisso com a cidade, pois se o tivessem já teriam promovido
a regulamentação de dois Instrumentos urbanísticos essenciais para gestão
urbana, quais sejam: a outorga onerosa do direito de construir e
o Estudo de Impacto de Vizinhança.
Adotando
como exemplo o projeto do Vereador Morgado percebemos como esses instrumentos
são essenciais, sem os quais não podemos sequer pensar em fixar outros
índices para a ZAU 6, como pretende o quase ex-Vereador Morgado.
A
ZAU 6, setor III, objeto do desejo de Gervásio & Cia. é uma Zona em que o
Plano Diretor de Belém, definiu como passível de aplicação da Outorga Onerosa
do Direito de Construir e até hoje não temos a definição do coeficiente básico
de aproveitamento que permite a definição da base para a cobrança da outorga
onerosa. A Lei 8.655 de 30 de outubro de 2008 (Plano Diretor de Belém,) prevê
em seu parágrafo único do art. 165 que a outorga onerosa do direito de
construir deveria ser regulamentada três (3) meses após a regulamentação da
Lei. Imaginem a hipótese dessa malfadado
projeto de Lei venha a ser aprovado e
sancionado, isso permitirá que aquele que adquirir o direito de construir
poderá fazê-lo gratuitamente até o coeficiente máximo 3.0 e sem pagar a outorga
onerosa do direito de construir que consistiria em uma contrapartida para a
sociedade.
Entendo
que o instrumento da outorga onerosa do direito de construir deve ser
regulamentado imediatamente, definindo o coeficiente básico de aproveitamento
para o Setores I da ZAU 3, a ZAU 6
(objeto do Projeto do Morgado) e Setor II da ZAU 7, sem esta definição não
se pode discutir a criação de novos índices para a ZAU 6, como quer o projeto
do Vereador Morgado, criando um coeficiente máximo absurdo de 3.0.
A
regulamentação da outorga onerosa do direito de construir permitirá que o poder
público tenha um instrumento de regulação do mercado imobiliário, pois hoje
vivenciamos um processo de verticalização intenso que demanda para o poder
público elevados investimentos em serviços públicos sem os quais compromete a
nossa qualidade de vida. Afinal o Poder Público Municipal tem que assumir o seu
papel de fazer cumprir a função social e ambiental da cidade e da propriedade
urbana segundo as diretrizes e princípios do Plano Diretor.
Alterar
o Plano Diretor de Belém para instalação de hipermercados e congêneres na ZAU
6, sem que tenhamos superado algumas etapas obrigatórias, tais como estudos
sobre a mobilidade e demais impactos urbanísticos e ambientais, sem definirmos
o coeficiente básico de aproveitamento para a cobrança da outorga onerosa do
direito de construir é dar um cheque em branco para o mercado imobiliário fazer
o que bem quiser nessa cidade.
O
Estudo de Impacto de Vizinhança, que foi instituído pelo Estatuto da Cidade e
previsto no art. 187 do Plano Diretor de Belém (Lei 8.655/08) é um instrumento
que precede o licenciamento de empreendimentos públicos ou privados
potencialmente causadores de impactos de vizinhança, servindo para análise da
construção, implantação e funcionamentos de empreendimentos ou atividades em
determinada área da cidade. O EIV determinará se esses empreendimentos ou
atividades devem ou não obter a licença de construção do Poder Público Municipal.
O Plano Diretor de Belém definiu quais os empreendimentos precisam de EIV para
obter o licenciamento, quais sejam:
I - shopping centers, supermercados, hipermercados e congêneres;
II -
centrais ou terminais de cargas ou centrais de abastecimento;
III
- terminais de transportes, especialmente os rodoviários, ferroviários,
aeroviários
e heliportos;
IV -
postos de serviços com venda de combustível;
V -
depósitos de gás liquefeitos de petróleo (GLP), inflamáveis, tóxicos e
equiparáveis;
VI -
estações de rádio-base;
VII
- casas de show, bares, cinemas, teatros e similares;
VIII
- estações de tratamento, aterros sanitários e usinas de reciclagem de resíduos
sólidos;
IX -
centros de diversões, autódromos, hipódromos e estádios esportivos;
X -
cemitérios e necrotérios;
XI -
matadouros e abatedouros;
XII
- presídios;
XIII
- quartéis e corpos de bombeiros;
XIV
- jardins zoológicos ou botânicos; e
XV -
escolas de qualquer modalidade, colégios e universidades; em terrenos acima de
1.000 m² (mil metros quadrados).
A
regulamentação do estudo de impacto de vizinhança é fundamental para garantir
que a sociedade e o poder público possam avaliar os aspectos positivos e
negativos de empreendimentos como shopping centers e hipermercados como
pretendem fazer ao longo da avenida Almirante Barroso. Senhores Vereadores, vamos priorizar os interesses da
cidade e não de poucos.
Aproveito
a oportunidade para solicitar a atenção do Ministério Público Estadual para um
caso de brutal violência à ordem urbanística e ao Estado Democrático de Direito,
Trata-se do art. 3° da Lei n° 8.883, de
12 de setembro de 2011 que Altera a Lei nº 8.655, de 30 de julho de 2008, que
“Dispõe sobre o Plano Diretor do Município de Belém”, e dá outras providências.
Art.
3º. Fica suprimido o Art. 218, da Lei nº 8.655, de 30 de julho de 2008, que
“Dispõe sobre o Plano Diretor Urbano de Belém” (Sic).
E do
que trata o art. 218 do Plano Diretor de Belém, vejamos:
“Qualquer
tipo de alteração no texto desta lei (plano diretor de belém) deverá ser
referendado em audiência pública, com ampla divulgação para a sociedade,
garantindo o seu caráter participativo, conforme o disposto no art. 40 do
estatuto da cidade”
O
art. 40 do Estatuto da Cidade possui a seguinte redação:
Art. 40. O
plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política
de desenvolvimento e expansão urbana.
§ 4o No processo de elaboração do plano
diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e
Executivo municipais garantirão:
I – a promoção de audiências
públicas e debates com a participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade;
II – a publicidade quanto
aos documentos e informações produzidos;
III – o acesso de qualquer
interessado aos documentos e informações produzidos.
Ressaltamos
para este caso que não é da competência
legislativa do Município contrariar a Lei Federal 10.257/01 que possui status
de norma geral de direito urbanístico e diretriz geral da política de
desenvolvimento urbano, o que fica bem evidenciado ao teor do caput do art,.
182 da Constituição Federal:
“A
politica de desenvolvimento urbano executada pelo poder público municipal
segundo diretrizes fixadas em lei (estatuto da cidade).....”
O
que é corroborado pelo art. 1º do Estatuto da Cidade
Art.
1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.
Então
em sede de politica urbana o Município não pode contrariar o que está disposto
no Estatuto da Cidade, mas foi o que fez ao suprimir a obrigatória participação
popular nos processos de alteração do Plano Diretor, garantidas pelos art. 40
do Estatuto da Cidade.
Já
dissemos em outros textos deste blog, o art. 3º da esdrúxula Lei 8.883/11 que
suprime a obrigatória participação popular nos processos de revisão do Plano
Diretor caracteriza sob o aspecto formal e material CRIME DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA, nos termos do que preconiza o Estatuto da Cidade.
Art. 52.
Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação de
outras sanções cabíveis, o Prefeito incorre em improbidade administrativa, nos
termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992,quando:
VI –
impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do § 4o do art. 40 desta Lei;
Vejamos, novamente o teor dos incisos I a
III do §4º do art. 40:Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.
§ 4o No processo de elaboração do plano
diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e
Executivo municipais garantirão:
I – a promoção de
audiências públicas e debates com a participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade;
II – a publicidade quanto
aos documentos e informações produzidos;
III – o acesso de qualquer
interessado aos documentos e informações produzidos.
Entendo
que não há qualquer dúvida que com o art. 3º da Lei 8883/11 impede a obrigatória
participação popular nos processos de alteração do Plano Diretor de Belém,
caracterizando, portanto, IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
Senhores
e Senhoras, o que hoje presenciamos no Câmara de Vereadores é lastimável, julgaram
que o povo de Belém não se importa com a cidade, julgaram que por dominarem
alguns meios de comunicação, venceriam a sociedade organizada pela
desinformação. Julgaram que ao retirar o nosso direito à participação popular
nos processos de alteração do Plano Diretor garantido pelo Estatuto da Cidade
também nos venceriam, mas a sociedade de Belém está aí organizada, seja nas
redes sociais e nas plenárias da Câmara Municipal fazendo o seu protesto contra
os traidores e oportunistas.
Maurício
Leal Dias
Professor
da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, Doutorando em Direito
(PPGD/UFPA) e Coordenador da Região Norte do Instituto Brasileiro de Direito
Urbanístico. E-mail: mlealdias@gmail.com
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